A aflição

Era tarde. Tarde suficiente para as ruas estarem completamente desertas e silenciosas. Sapos e grilos faziam convenção de chiados, talvez em disputa. Ouvia-se o velho ônibus vindo do fim da rua, chacoalhando peça por peça, como quem ameaça desmontar em mil pedaços.
Lúcio, cansado como ele só, depois de um dia fatigante de trabalho, estava ali em seu canto – tremendo de medo – esperando o ônibus. Queria chegar em casa, tirar os sapatos, esparramar no sofá, comer a comidinha da patroa – mesmo estando fria. Não importava. Tinha fome e sono. Mas as duas só não eram maiores que seu medo.
Seu Lúcio (como era conhecido em seu bairro), morria de medo de assalto. Pra piorar a situação, tinha visto no noticiário que os índices de assaltos em ônibus estavam alarmantes. Medroso como já era, a notícia só o fez sentir-se mais temeroso ainda – e mais covarde.

O ônibus vinha do fim da rua. Identificou-o como sendo o que esperava. Graças a Deus!
Entrou no ônibus – este vazio, fora a presença do motorista, cobrador e um sujeito sentado no fundo – cumprimentou o motorista e o cobrador. Dirigiu-se ao meio do ônibus, vagaroso – e medroso. Fez contato visual rápido com o sujeito do fundo. Achou que era suspeito. Valei-me minha Nossa Senhora! E agora? E se for um assaltante?
O ônibus iria custar para chegar em casa, próxima ao destino final da rota. Dava espiadas de canto de olho para o rapaz. O sujeito parecia estranho, nervoso com alguma coisa. Olhava para todos os cantos, suava muito e, estava duro em sua poltrona – nada confortável.

Seu Lúcio percebeu esse nervosismo e logo pensou no pior, achando que era um marginal criando coragem. Tremia nas bases, batia o queixo, suava mais que o bandido. Droga! É agora. Justo no dia que recebo meu pagamento! E aquela aflição não tinha fim. O cobrador cochilava com a cabeça recostada na janela; o motorista ouvia um rádio de pilha que estava ao seu lado, transmitindo um jogo de futebol. Seu Lúcio estava aflito. Ou melhor, louco de aflição. Decidiu aproximar-se a porta, que para seu desagrado era próxima ao assento do bandido. E agora? Vou de qualquer jeito, afinal posso perder meu ponto. Além do mais, acontecendo algo, posso saltar com toda minha força contra a porta e me salvar. Alguns machucados, claro, mas fora isso, salvo.

O rapaz ao fundo, tremia de aflição, nervoso com o assalto. Sentia o cano frio junto à barriga e suava cada vez mais. Respirava fundo, soltava grandes porções de ar. Olhava repetidamente para todos os lados, como se verificasse algo – que definitivamente não estaria ali. Ouviu um baque e arregalou os olhos. Seu Lúcio arregalou mais ainda. Os dois se olharam. Não havia sido nenhum dos dois. O rádio de pilha do motorista havia caído no chão do ônibus. Respiraram ambos aliviados. A tensão estava no ar e, a qualquer momento o ato aconteceria.

O que fazer? O que fazer? Seu Lúcio tomou coragem, engoliu seco, foi até o rapaz. Puxou a arma da cintura do sujeito e clamou em alto e bom tom:
Isso é um assalto!

Desesperado, o rapaz passou tudo o que tinha. Desde uma correntinha de falsa prata, um anel de plástico, uns vale-transportes e alguns trocados que tinha no bolso.
O motorista gelou instantaneamente. O cobrador continuava dormindo, como se nada tivesse acontecido. Seu Lúcio deu o sinal e comentou que era seu ponto.
Desceu os degraus do ônibus e foi caminhando até o portão de casa, enquanto o ônibus distanciava-se até o fim daquela rua escura.

Realmente, os índices de assalto em ônibus estão alarmantes, pensava.